23 de abril e o sincretismo na Umbanda

Que São Jorge é um santo muito popular no Brasil, isso não é novidade. Milhões de pessoas tem nesse santo a sua devoção, independente da religião que professam. Me lembro de que, quando criança, eu visitava o sítio de um tio, e lá tinha uma imagem de São Jorge. Admirava, deitada no sofá da sala, aquela imagem do santo guerreiro tão imponente em seu cavalo, derrotando um dragão. Ao seu lado, tinha também um quadro de Mãe Iemanjá, que eu também revezava o olhar e admiração.

Desde sempre, São Jorge e Iemanjá estiveram lado a lado. Tanto no meu imaginário infantil, quanto nas tradições brasileiras. Herança do período colonial, onde os negros escravizados eram forçados a disfarçar sua fé nos Orixás nas imagens dos Santos Católicos. Foi através do sincretismo religioso que as tradições e os rituais africanos resistiram por séculos aqui no Brasil.

Isso não significa, porém, que o sincretismo seja algo que devemos nos orgulhar. Para que um povo todo, de diferentes crenças e nações, pudessem aliviar suas dores e encontrar-se com suas divindades, com seus deuses, longe da sua terra natal, era necessária tamanha artimanha. Só assim, mantinham acesa a chama da fé dentro de si e perpetuavam suas tradições para os mais novos, e assim sucedeu até hoje.

Mas os tempos hoje são outros. Temos acesso a tantas informações sobre a história da África, do Brasil (e dos povos originários) e de outras nações que foram fundamentais para a construção da sociedade por aqui, falamos e aprendemos sobre racismo estrutural, e, como consequência dele, do embranquecimento da cultura e das religiões de matriz africana.

E, a partir desses estudos atuais, enxergamos o sincretismo como resultado da opressão às tradições de pessoas que vieram para cá, de forma escravizada, e tiveram sua identidade apagada. Tentaram, de todas as formas, apagar quem foram os africanos, desde seus nomes pessoais, passando até pelo processo de demonização de suas crenças e práticas culturais. O que hoje para nós é religião, para essas pessoas, era no passado, algo comum, parte do seu cotidiano, natural em si.

Por isso, é necessária a nossa reflexão em cima dessas ferramentas de colonização e embranquecimento.

Ao mesmo tempo, as festividades nas casas de Orixá em datas católicas já fazem parte da tradição das religiões de matriz africana, seja o candomblé, seja a umbanda ou outras formas de manifestar a espiritualidade através da raiz africana.

Então, precisamos festejar as datas trazendo os nossos Orixás como protagonistas. Usar de imagens e elementos ritualísticos próprios, buscando reforçar a nossa crença. Mas, devemos respeitar quem também é devoto de São Jorge tanto quanto quer louvar a Pai Ogum. Cada ser é individual e possui a sua crença pessoal.

Refletir os mecanismos do racismo estrutural e resistir a eles é a melhor forma de combatê-lo. Dividir o conhecimento e a experiência, abrir para diálogos e discussões, e agir de forma anti racista, em todas as esferas, é a melhor forma de combater o embranquecimento. Trazer a imagem do Orixá Africano para falar de Pai Ogum, falar sobre suas características e receber o seu axé. Cantar para Ogum, bater cabeça para Ogum e saber se posicionar!

Se Pai Ogum é o Deus da Guerra, ele guerreia é pela Paz. Ele sabe quais batalhas vale à pena lutar, e sabe também a hora de negociar ou buscar outras estratégias para vencer a guerra. Que saibamos ser como Ele: ouvir atentos os clamores que nos chamam para batalhas justas e progressistas, mas saber a hora de empunhar a espada, e a hora de sentar para discutir: ouvir, aprender, falar e difundir.

Que possamos somar com nossos conhecimentos e experiências e que ninguém seja capaz de destruir a Umbanda, o Candomblé, o Tambor de Mina, a Macumba, a Jurema e tantas outras religiões de matrizes africanas e indígenas.

Saravá Pai Ogum! Patakori Ogum!

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